Quando era miúda e jogava voleibol, a treinadora da nossa equipa
informou-nos, num final de um dos treinos das iniciadas, que a partir dali, o
nosso grito de guerra ia passar a ser: "Uma por todas e todas por
uma". Imaginem! Devia ter aí uns 13 anos e mal cheguei ao balneário
desabafei com as minhas colegas de equipa: "Eu não vou gritar aquela merda
de cada vez que marcarmos um ponto. Tenho amigos, uma vida social, não vou ser
vítima de bullying na escola, porque a gaja esteve a ver os três mosqueteiros
no fim de semana e teve uma epifania ou o cara***!"
As minhas colegas de equipa concordaram comigo e a Tita, que era a capitã, foi
falar com a treinadora e disse que nós eramos gajas fixes na nossa escola e não
íamos passar vergonhas a gritar aquilo. O nosso já velhinho: "CD PÓVOA
IÉEI!", era esse o nosso grito de guerra e não víamos nenhuma necessidade
de mudar, muito menos para aquela pirosada. Fora de Questão!
Mas a nossa treinadora era uma fascista e não quis saber, ou gritávamos:
"uma por todas e todas por uma", ou gritávamos: "todas por uma e
uma por todas". Eram as duas alternativas e não havia outra. Que merda!
Acabamos por escolher a primeira... E verdade seja dita, fosse por causa disso,
(ou não), passamos de ser uma equipa mediana, que perdia metade dos jogos, a
uma das equipas mais temidas do país, com quatro jogadoras nos centros de
formação nacional.
Lembrei-me disto a propósito do assassinato do jornalista Ján Kuciak e da
namorada, Martina, um casal apaixonado, que foi assassinado a tiro dentro de
casa. A casa onde tinham começado a viver juntos, apenas umas semanas antes.
Ora, a morte trágica do Jan e da namorada pôs a Eslováquia em peso nas ruas,
com cartazes e gritos de guerra que diziam, nada mais, nada menos, que:
"ALL FOR JAN!"
E foram precisos mais de 20 anos e a morte de um jornalista, para entender
a força destas palavras. Em menos de uma semana demitiu-se o ministro da
cultura, depois o ministro do interior, a seguir o primeiro-ministro,
seguido do outro ministro do interior e, por último, o comissário da polícia
eslovaca. Mesmo assim, em dominó, uns a seguir aos outros. Porque, quando as
pessoas saem em massa às ruas a gritar: "All for Jan!" Os governantes
percebem logo que só há uma de três alternativas: ou se põem do lado da justiça
e movem todos os meios ao seu alcance, para descobrir e punir os responsáveis
pelo crime; ou se põem a andar e vão morrer longe; ou arriscam-se a ser
insultados e levar na tromba da próxima vez que saírem à rua. É isto que quer
dizer: "All for Jan!"
Já no caso da jornalista maltesa, Daphne Caruana Galizia, assassinada com
uma bomba no carro, em Outubro do ano passado, apenas três meses antes do
eslovaco Ján Kuciak, todos os mafiosos que permitiram, (não se sabendo até se
ordenaram...), e que festejaram à descarada o seu assassinato, continuam
sentados no mesmo poleiro, como se nada de grave tivesse acontecido. Tudo isto
em plena União Europeia, sem que se ouça um pio dos papagaios do costume,
sempre tão ávidos a falar mal dos gregos e dos portugueses, que gastam
demasiado dinheiro e o défice e a conta que os ingleses terão de pagar se
quiserem sair e blá blá blá...
Não é preciso ser um génio para entender que o Ján Kuciak era "um por
todos" na Eslováquia. Com apenas 27 anos e basicamente sozinho desvendou
um esquema escabroso, que envolvia o primeiro-ministro eslovaco e a sua
assessora mais próxima, que por sua vez namorava um mafioso italiano, que por
sua vez andava a ganhar milhões à custa de burlar a União Europeia, nos
subsídios que esta atribui para a agricultura. Tudo alegadamente, ao que
parece... e também, ainda ninguém foi preso pelo assassinato do jovem casal.
Mas a jornalista maltesa Daphne Caruana Galizia não lhe ficava atrás, bem
pelo contrário e sem desprimor para o Jan, nem sabia que existiam jornalistas
como ela na vida real. Só tinha visto disto em filmes. Jogava sozinha contra
"onze" e marcava-lhes cabazadas de golos todas as semanas. Chega até
a ser difícil perceber quem teria interesse em mandar matá-la, pois cada semana
que passa é uma nova história que vem à tona e mais um potencial escroque que
ficaria a ganhar com o seu silêncio. Às vezes chego a pensar se não organizaram
uma vaquinha entre eles...
Há um post no seu blogue, que se resume a um email, que ela enviou ao
primeiro-ministro maltês, o "Senhor" Joseph Muscat, a dizer que o
apanhou a conspirar contra ela e mais grave, que este utilizava um email
alternativo (joseph@josephmuscat.com), bem sabendo que não podia usar outro
email que não fosse o oficial, josephmuscat@gov.mt. Só por isto: por andar a
conspirar com o presidente de uma empresa estrangeira, a ruína financeira de
uma jornalista, cujo o único erro foi fazer muito bem o seu trabalho, o Sr.
Joseph Muscat devia ser votado ao degredo por qualquer pessoa de bem. Mas não
foi... E embora haja algumas "I'm Daphne" e "Je Suis
Daphne" por aí, são uma clara minoria em Malta. Lá não existiu, nem pegou,
o "All For Daphne!" E nota-se bem a diferença, porque os escroques
continuam todos felizes e contentes no poder...
Não podemos permitir, enquanto cidadãos, que os nossos pontas de lança na
luta contra a corrupção e pela descoberta da verdade sejam assassinados. E não
é preciso ser vidente para saber quando um jornalista corre perigo de vida. No
caso da Daphne Caruana Galizia, nem cinco meses depois daquele famoso email ao
primeiro-ministro e depois de a terem tentado calar com mais de 60 processos em
Tribunal - o que não conseguiram - foi assassinada com uma bomba no carro,
poucos metros à porta de casa.
Garantir a imunidade aos jornalistas é uma ideia. Para quando uma dessas
empresas tubarão ameaçar um jornalista com processos civis de milhões, saber,
que em primeiro lugar, terão de conseguir o levantamento da imunidade do
jornalista junto de um Tribunal, o que só seria possível, se de facto se
verificasse a existência de indícios, que aquele jornalista violou gravemente
todos os seus deveres deontológicos. Até se provar a existência de um crime,
não há processos de indemnização contra jornalistas. Caso contrário, torna-se
praticamente impossível ganhar esta luta de Golias/David, pois é pedir demais a
jornais e jornalistas, que assumam estes riscos e suportem custas judiciais
astronómicas, simplesmente por fazerem - e nalguns casos muito bem! - o seu
trabalho.
Quanto a impedir que matem jornalistas para os calar, já não me parece que
seja problema que se resolva com mais legislação. Com melhor trabalho da
polícia? No caso maltês, sem dúvida! Mas o melhor antídoto para isto continua a
ser, o carimbo de verdade que a morte concede à sua vítima. Depois das mortes
da Daphne e do Jan - em plena União Europeia!!! - não há desculpa para que as
autoridades não investiguem até ao tutano, todas as histórias que foram
investigadas por eles. Se não se conseguir trazer à justiça os mandantes da sua
morte, que ao menos sejam punidos todos estes políticos trafulhas, pois já não
há margem para dúvidas de que cometeram os crimes denunciados e relatados pelos
jornalistas Daphne Caruana Galizia e Jan Kuciak.
A vocês os dois, o meu MUITO OBRIGADO!
Agora outra vez, a ver se pega: