No meu tempo, as escolas privadas
existiam, para que os filhinhos burros dos papás ricos, que quisessem tirar um
curso superior, não fossem obrigados a frequentar sociologia, na Universidade
da Beira Interior. Muita coisa mudou desde então… E quando o principal
argumento, para defender que o dinheiro público seja investido em escolas
privadas, é o da competitividade e da consequente qualidade e eficiência do
serviço público em causa, só podemos estar pior. Outra coisa que não acontecia
no meu tempo era discutir-se o serviço público de ensino, com os mesmos
critérios com que se fala de combustíveis e telecomunicações.
“ A escola do meu filho, eu é que
escolho!” – e o que eu quero saber é: Quem é que vai pagar isso?! Estou a
brincar, não é nada. Era só para me armar em boa.
De todos os argumentos em defesa da escola
privada, este é o mais tonto. A escola pública não existe para impedir que os
pais extremosos possam escolher livremente as escolas dos seus petizes. Pelo
contrário. Existe para garantir, que um ensino de qualidade chega a todos,
mesmo àqueles cujos progenitores não se pudessem estar mais a c#$%& para a
qualidade da escola das suas criancinhas.
A ideia de um serviço público prestado
pelo Estado, seja ele de saúde, de educação, de justiça ou segurança, não é
impedir que as pessoas façam livremente as suas escolhas. É garantir um serviço
de qualidade, a quem não tem poder de escolha.
E só é possível garantir um serviço
público de qualidade a todos os cidadãos, se os critérios de acesso não forem
os mesmos da livre concorrência e dos mercados. Até porque, como é fácil de
ver, uma má escola ou um mau hospital, não são a mesma coisa que um mau
restaurante ou um mau cabeleireiro, por muito trágicos que esses serviços às
vezes consigam ser.
Se os cidadãos podem escolher livremente a
escola dos seus filhos, porque não hão-de escolher livremente o Tribunal ou a
esquadra de polícia onde querem apresentar queixa? Por que há de um cidadão
recorrer ao Tribunal da sua Comarca, se o da Comarca ao lado é mais rápido e o
juiz até é amigo do meu primo? E ser obrigada a ir à esquadra da minha
residência, quando podia perfeitamente contratar uma agência de detectives de
qualidade e da minha confiança? E o Estado pagava, que eu garanto, até saía
mais barato. Por que não?
Volta e meia surge esta discussão em
Portugal: “o meu umbigo é mais liberal que o teu!”. Normalmente começa com
alguém a dizer, que um Estado pequenino, onde se pagam poucos impostos, chega
melhor a todo o lado. Não há ideias perfeitas, mas a do Estado liberal chega lá
perto, unindo o melhor de dois mundos, os baixos impostos, com a omnipresença
do Estado.
Como se me dissessem que um caniche, por
ser pequenino e irritante, é melhor cão de guarda que a minha Iolanda, uma rottweiler
sem regras. Faz sentido?
O que faz sentido é uma pessoa pagar aí
uns 20 euros por ano e o Estado tratar dos censos e enviar uma revista com os
balanços do país a cada cidadão. Mais nada! E depois cada um garante junto dos
privados, o ensino, a saúde, a justiça, a segurança e as pensões que bem
entender e que o seu bolso puder pagar. Um verdadeiro Estado liberal não chega
a lado nenhum, nem paga aos privados, para chegar na vez dele. Um Estado
liberal não se mete, nem na prestação dos serviços, nem na intermediação de
negócios, para conseguir prestar esses serviços. Se isto for “ser liberal”, eu
assino por baixo já!
Todos os dias, quando saio à rua, entrego
livremente – e com gosto! – o meu dinheiro aos privados. Quando vou ao
supermercado, ou compro tabaco, ou pago o gás e a luz. Sem querer saber se têm
muitos ou poucos lucros, nem o que fazem com eles. Por mim, podem pôr todo o
dinheiro no Panamá ou acender ganzas com ele. Tanto se me dá!
Mas será pedir muito, que o dinheiro que
eu entrego ao Estado – muito a contragosto! – para pagar os meus impostos, seja
investido em serviços públicos e não novamente entregue aos privados, pra que
sejam estes a prestar um serviço, que devia ter sido prestado pelo Estado em
primeiro lugar?